Há muitos anos, numa campanha para eleições autárquicas, um candidato percorria as ruas de Gondomar, com uma grande comitiva atrás de si, atirando “à regatinha” dezenas de canetas com o seu nome e partido inscrito. Numa das ruas principais de S. Cosme, um turbilhão eufórico de gondomarenses permanecia nos passeios, nas ruas, à porta dos estabelecimentos para ver passar a comitiva. A certa altura, o protagonista dessa candidatura atirou, freneticamente, mãos cheias de canetas para o ar, num gesto teatral muito parecido com o dos agricultores que atiram à terra as sementes que farão germinar o trigo. Imediatamente a seguir a esse gesto, um número grande de assistentes rastejou pelo chão atrás das canetas enfiadas nos bueiros ou debaixo dos carros estacionados. Não ficou uma caneta no chão. O protagonista ganhou as eleições. Uma das grandes medidas desse autarca foi dar a água que era de todos a uma empresa que passou a cobrar exorbitâncias por esse bem público que os gondomarenses pagam a preço “de ouro”. Depois desse vieram outros, com canetas e sacos e camisolas e isqueiros, cada vez mais sofisticados, vestidos com camisolas todas iguais, clones disfarçados do protagonista que já não mexe mas que deixou outro igual a si em seu lugar e, a par da água, outras medidas apareceram para dar lucro a meia dúzia de privilegiados e prejuízo a milhares de gondomarenses que continuam a pagar a água aos preços mais altos; a ver as rendas sociais a terem aumentos brutais; a pagar mais IMI; a serem obrigados a pagar estacionamento porque não têm alternativa para estacionarem os seus veículos; a usarem os seus automóveis porque não têm transportes públicos que cubram todas as suas necessidades; a ficarem fechados num quarto andar da sua habitação social, porque estão presos numa cadeira de rodas e o elevador não funciona apesar de a Câmara saber da situação; a verem-se privados de bens essenciais porque o desemprego chegou às famílias e o desespero não deixa o pensamento funcionar; a viverem uma vida sem alegria, sem lazer, sem cultura e sem felicidade; a verem-se obrigados a pedir, a implorar, a esquecer o seu amor-próprio e a sua dignidade. Desesperados, escolhem não votar, ou votar em branco ou anular o seu voto, porque estão fartos de ser enganados, escondendo-se atrás do falso “são todos iguais…”. A clarividência necessária turvou-se, as canetas apanhadas do chão não germinaram como as sementes do trigo atira- das à terra pelo agricultor e o eleitor passou a usar uma máscara que, pensa ele, o protege de ser enganado: a abstenção. Esquece-se o eleitor que mesmo com a sua abstenção, voto em branco ou voto nulo há sempre um protagonista que ganha as eleições e que va decidir sobre as políticas locais que vão ter consequências na sua vida diária. Esquece- -se o eleitor que o seu voto, consciente, sem canetas apanhadas do chão, poderia fazer a diferença e eleger um autarca honesto e competente. Esquece-se o eleitor de ler os papéis entregues por quem não dá canetas e refletir de forma crítica sobre as propostas que lhe são apresentadas, formando o seu pensamento e acção para a transformação e não para a resignação. Esquece-se o eleitor de se alegrar com a CDU quando recebe um programa, um compromisso, uma proposta, uma explicação sobre um assunto que lhe diz respeito e, também, quando recebe a resposta “Não, não temos canetas, mas podemos conversar consigo sobre coisas importantes para a nossa terra.” Esquece-se o eleitor de reconhecer que os candidatos da CDU cumprem o que prometem e esquece-se de perceber que, afinal, nem todos dão canetas.